Olho-me no espelho...Admiro a moldura,grande ...decorada,dourada...admiro-a,perco-me na sua ostentação dourada...misturada com as decorações requintadas em cobre ,quadrados repetidos,intercalados por outros azuis mar.
Lembro-me do mar e olho instintivamente para a janela,mas está escuro e só é possível, escutá-lo.A rebentação forte a despedaçar-se de encontro as rochas,o som entra-me no coração e fecho os olhos.
Memórias de criança querem invadir-me...memórias alegres,memórias de noites em que as histórias eram substituídas pelo silêncio,e nós...eu e a minha irmã, ficávamos num silencio confortável embaladas pelas canções das ondas.Até dormirmos...
Mas este mar,lembra-me que estou longe...muito longe do sitio onde nasci.
Sinto a saudade e fecho os olhos,quero que as memórias se percam novamente na alma,agora fazem-me sofrer.
-Aisha...-acordo das memórias,a voz da rapariga é suave-o Rei manda dizer para estares preparada.
-Eu já estou preparada...-repito ainda de olhos fechados... repito a frase mais duas vezes dentro da minha cabeça,só depois abro os olhos.
Olho novamente para o espelho e só agora me olho...desde que me preparei que ainda não me tinha olhado,sabia que estava ali...mas não me centrei no reflexo,ignorando-o.Sabendo que ia ter de olhar.
Se antes era só uma mancha vermelha na minha alienação,agora via-me perfeitamente.
Via perfeitamente aquela mulher...vestida de vermelho ..-a saia de mil véus que me roçavam os pés,decorada com com mil medalhas douradas junto á cintura,formando um contorno que me salientava as ancas,surpreendi-me porque estava muito magra,mas as minhas ancas tinham ganho contornos inesperados e provocantes até.
A parte de cima deixava-me o umbigo á mostra,e só os meu seios estavam tapados,com um pano completamente forrado de medalhas,embora o toque na pele fosse suave,devido ao tecido por baixo.Os braços tinham ambos pulseiras largas douradas,com mais medalhas.e de lá saiam finos veús que desciam pelos braços até aos pulsos...onde se prendiam delicadamente novamente em pulseiras e medalhas.
Olhei-me de frente,nos olhos do meu reflexo e fiquei espantada...
Aquela mulher não era eu!!!!
Os olhos maquilhados por uma outra escrava como eu estavam grandes amendoados,olhasse eu para onde olhasse e parecia sensual,pareciam que queriam algo...fiz vários movimentos para o comprovar.Os cabelos castanhos escuros até á cintura estavam imaculadamente certinhos com pequenas ondas que desciam pelos ombros..adornados por correntes fininhas que me haviam prendido enquanto me penteavam, por ganchos,de lá pendia uma jóia âmbar que me caia a meio da testa.Era exactamente da mesma cor dos meus olhos...aproximei-me para ver melhor,e as medalhas do meu traje ali colocadas fizeram barulho.Lembrei-me que eram para isso que elas serviam,para adornar e dar som ao movimento.
Não resisti ...fechei os olhos novamente,e dancei em movimentos lentos para ouvir o som das minhas ,lembrei-me que também as tinha num dos meus pés descalços,e a dança tornou-se mais requintada.
Não estive a dançar muito tempo...achava que não,mas parei quando ouvi a voz dele.A voz do Rei daquele povo ...
-És o presente mais excitante que algum dia alguém me ofereceu...-não era preciso abrir os olhos para imaginar,mas olhei-o reflectido no espelho atrás de mim.O azul do olhar brilhava perigosamente,e havia um esforço corporal para não me tocar.
Deixei cair os braços que tinham ficado presos no movimento da dança e o som das medalhinhas irritou-me.
Nem o tinha sentido entrar...
Ele rodou em direcção á porta-Anda!-era uma ordem,e eu segui-o,sempre a fazer um barulho...
Quantas medalhas tinha aquela fatiota?!Percebia agora que nenhuma mulher vestida assim podia passar despercebida em lado nenhum,devia ser esse o propósito com certeza!
Ele olhou para trás e sorriu-me...
Eu senti medo do olhar dele....
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